Em 1990, se você fosse comprar um disco na Capital mineira,
certamente iria a uma das simpáticas lojas do ramo localizadas na Savassi, ou
mesmo aos shoppings centers, hábito típico de um belo-horizontino.
Hoje, por conta da evolução tecnológica e das
dificuldades de deslocamento urbano nas grandes cidades, a compra provavelmente
será feita numa loja virtual, seja pelo PC, tablet
ou telefone celular.
Não há como negar: o comércio eletrônico alterou
irremediavelmente a forma das relações mercadológicas no mundo.
Ora, é de nossas primeiras lições no direito que
esse segue a evolução social para, segundo suas novas demandas, regulamentá-la.
No direito tributário, não é diferente.
A Constituição da República deu competência aos
estados a instituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
tendo, como hipótese de incidência, a circulação física e econômica de
mercadorias e serviços.
Cada ente federativo tem autonomia para
regulamentar a exação no âmbito interno de seus limites, sob o olhar, claro da
Lei Maior e da Lei Complementar 87/96.
Entretanto, nas operações travadas entre pessoas
localizadas em diferentes estados, chamadas de interestaduais, a Constituição determinou
regramento próprio, assim fazendo diante a realidade de seu tempo, de sorte a
promover a redução da desigualdade nas diferentes regiões do país.
Especificamente no que diz respeito às operações
que destinem bens a consumidores finais localizados em Unidade da Federação
diversa do fornecedor, o inciso VII, do § 2º do art. 155 da Lei Maior estabelece
regra quanto à aplicação das alíquotas da exação estadual em análise,
distinguindo-as de acordo com a classificação do destinatário do produto.
Destarte, caberá ao contribuinte remetente recolher
o imposto pela alíquota interna integralmente ao estado de origem, se a venda
ocorrer para consumidor final não contribuinte, ou aplicar a alíquota
interestadual, caso a operação se destine a contribuinte do imposto.
Nas operações destinadas ao consumidor final, como
dito, aplica-se o regramento interno da origem. Entretanto, os tempos mudaram.
Hoje, um consumidor do Estado do Piauí não necessariamente
se desloca à loja de eletrodomésticos para comprar uma geladeira. Ele compra na
rede mundial de computadores, de um fornecedor localizado, invariavelmente, em
outro Estado.
Não demanda, portanto, maior esforço concluir que o
incremento do comércio eletrônico alterou sobremaneira a realidade fiscal dos
Estados, impondo aos mais pobres uma severa redução de arrecadação desse
importante tributo, o que levou tais entes federados a buscar por via
transversa a compensação que julgam justa.
Trata-se da celebração do protocolo 21/2011, firmado
no âmbito do CONFAZ, em evidente subversão do mecanismo de incidência do ICMS
nas operações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte.
Conforme prevê o Protocolo 21/2011, entre Estados
Federados signatários ocorrerá repartição do imposto incidente sobre a operação
destinada ao consumidor final não contribuinte, mediante a aplicação da
alíquota interestadual devida à origem e ao pagamento de diferencial de
alíquota ao estado destino, o que, por si, representa flagrante agressão a
Constituição da República.
Já em relação aos estados não signatários o
problema é ainda maior, vez que configura verdadeira bitributação, conquanto a
obrigação do contribuinte fornecedor da mercadoria corresponderá ao correto
recolhimento integral do imposto ao estado de origem pela alíquota interna,
acrescido da parcela imposta pelo predito protocolo que deverá ser recolhida ao
estado destinatário da mercadoria, a título de substituto tributário. Neste
caso, o contribuinte vendedor sofrerá uma incidência legítima e outra ilegal.
Por tais razões, a disciplina relacionada à
exigência do ICMS nas operações interestaduais ao consumidor final não
contribuinte estabelecida no protocolo 21/2011 resta absolutamente incompatível
com o disposto na alínea “b”, do inciso VII do § 2º, combinado com o inciso II
do art. 155 da CF/88.
Demais disso, ao estabelecer tratamento
diferenciado quanto à origem da mercadoria, o Diploma agride de morte o
princípio da isonomia tributária, fomenta a tão criticada guerra fiscal e, não
é demais dizer, promove a quebra do pacto federativo.
A cláusula segunda do Protocolo 21/2011 também atribui
ao estabelecimento remetente da mercadoria ou bem, quando localizado em unidade
da Federação signatária do Protocolo ICMS nº 21, de 2011, na
qualidade de sujeito passivo por substituição tributária, a responsabilidade
pela retenção e pelo recolhimento da parcela do ICMS devido.
Ora, a substituição tributária, conforme prevista
na CR/88 em sua forma progressiva, parte da premissa fundamental de ocorrência
de fatos geradores futuros na cadeia de circulação daquela mercadoria,
atribuído a terceiro a responsabilidade de recolhimento do imposto incidente em
operações posteriores, de sorte que o contribuinte responsável por substituição
“antecipa” o tributo a incidir em operações que se presume ocorrer.
Não por outro motivo, a Carta assegura ao
contribuinte a restituição da importância paga a título de ST, caso não se
realize o fato gerador presumido.
Veja-se, portanto, que é requisito de incidência da
substituição tributária, quando menos, a possibilidade da presunção da ocorrência
de fatos geradores futuros e, por consequência, da existência pessoas (físicas
ou jurídicas) aptas a praticá-los na qualidade de contribuintes substituídos.
Em conclusão, qualquer tentativa de ajuste da
arquitetura fiscal como posto na Constituição somente se dá por reforma desta,
jamais por vias transversas, que devem ser sempre reprovadas.
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